quarta-feira, 16 de junho de 2010

Chove...


Ouço a chuva cair, e ninguém pode
saber, quanto a minha alma está sozinha...
Lembro-me bem: chovia assim, chovia.
- Numa tarde como esta ela foi minha.
E enquanto não chegava, eu me dizia:
- "Vai molhar-se todinha, o meu amor...
Tão frágil, que receio ao vento e à chuva,
antes dos beijos meus, se desintegre...
Onde estará neste momento ainda?
E enquanto não chegar, nada há de ver...
"E lá fora aumentando a chuva, e a chuva
me olhando, indiferente ao meu sofrer...
(Na penumbra do quarto, as coisas todas
eram sombras vazias, esperando.)
De repente: seus passos. Sim! seus passos...
Adivinho-lhe os olhos: não mentira.
E quando a porta se fechou, pensei
por um momento ainda, que não era,
- que eu é que louco imaginara tudo.
Encostou-se ao meu peito, e o coração
vaga escondida, contra o meu batia.
Beijei-lhe a boca... e então bebi-lhe as gotas
no pescoço, no rosto, nos cabelos...
-"Criancice, meu amor!...
- molhada e fria esta roupa
há de até lhe fazer mal...
"Tão débil era o amor a aconchegar-se:
quase uma criança entre medrosa e alegre,
...Ah, a chuva que a molhou! ... E eu fui cuidá-la...
e em pouco, éramos dois, ardendo em febre. .
Numa tarde como esta ela foi minha,
molhada e trêmula a colhi nos braços.
Hoje, chove... A minha alma está sozinha...
E nunca mais hei de escutar seus passos...

J.G. de Araújo Jorge

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